19 de dezembro de 2010

O Brasil e os fracassos no Mundial de Clubes


Fazer feio no Mundial Interclubes não é novidade para os brasileiros, que tiveram alguns clubes virem o 'Projeto Tóquio' naufragar
Por Jeferson Augusto (@jefaugusto)

Você já conhece a cena. Tá lá você assistindo à Rede Vida e o Penápolis se engalfinhando em um disputado mata-mata da A-3 Paulista. Não demora muito para o câmera focalizar um cidadão envergando um cartaz manuscrito 'Rumo a
Tóquio' (mesmo quando a disputa internacional migrou para Yokohama o slogan foi usado fartamente pelos torcedores, que quando perceberam a mudança e passaram a grafar a outra cidade japonesa, a decisão tinha ido pra Abu Dabi; agora, quando já aparecem os primeiros fantasiados de sheikes na Copa do Brasil, o torneio volta para o Japão). Há a vertente do mesmo fato quando a Band passa o jogo de volta entre Sousa da Paraíba e Botafogo do Rio, pela Copa do Brasil, com a diferença de que quem levanta o cartaz é um torcedor alvinegro. Ser campeão mundial de clubes virou obsessão de todo time brasileiro. Do seu time de pelada do fim de semana ao Corinthians (brincadeirinha).
Nos últimos 30 anos a participação brasileira no Mundial de Clubes, a última etapa do tal 'Projeto Tóquio' (que virou 'Projeto Yokohama', 'Projeto Abu Dhabi'...), é verdade, já foi motivo de algumas glórias épicas, mas também representa muitos micos, fiascos e fracassos. Ou seja, ao parar na lenda Kidiaba e fracassar no Mundial o Inter não promoveu nenhum feito inédito pro Brasil.

Por uma questão de memória/paciência e critérios obscuros, deixemos de lado a derrota do Cruzeiro em 76, quando o Mundial era jogado em dois jogos, na Europa e na América do Sul (formato, que convenhamos, era bem mais legal) e abordemos as derrotas amarguradas apenas quando o Mundial de Clubes passou a ser tratada por Copa Toyota (ou 'Copa Carro', como alguns pejorativamente apelidaram o torneio).

O tal Projeto Tóqui
o se tornou sonho em algum momento entre as décadas de 80 e 90. Até então, um Carioquinha ali, um Paulistinha aqui, e se de lambuja viesse um Brasileiro, já significava soberania. Quem começou essa mudança de conceito foi o Flamengo, em 1981, que depois de copar a Libertadores, atropelou o Liverpool por 3 a 0, consagrando quase metade da Geração Voa Canarinho Voa, que um ano mais tarde seria alvo da cetra de Paolo Rossi.Em 1983 foi a vez do Grêmio se tornar mito com aquela que é talvez a melhor formação de quadrilha do futebol mundial de todos os tempos - ou você ousaria encarar Mário Sérgio, Renato Gaúcho, Paulo César Caju e de brinde o Hugo de León com a cara esfolada na capa da Placar? - , sob o comando de Valdir Atahualpa Espinosa. Os gaudérios encararam o Hamburgo, da Alemanha, e venceram por 2 a 1, com dois gols de Renato Portaluppi.

Depois, o Brasil passou em branco praticamente dez anos na América e sem nenhum time por os pés no Japão. Na década de 90, o Brasil passou a dar mais importância para as conquistas internacionais, muito por conta do bicampeonato do São Paulo em 92/93. E aí se seguiu uma sequência incrível de fiascos em terras japonesas por parte dos brasileiros.

1995- Grêmio 0 x 0 Ajax (3x4 nos pênaltis)
Depois do São Paulo de Telê em 92/93, o Brasil voltou a Tóquio em 1995, desta vez, com o mítico Grêmio pondo sua imortalidade à prova. Era o Felipão no banco, um maluco e posteriormente dublê de DJ (precursor de uma moda entre sub-celebridades) no gol (Danrlei), uma dupla de açougueiros na zaga (Adílson, que depois adotou o Batista, e o paraguaio Rivarola), resguardada por Dinho carniceiro (o mesmo que jogou a Copa Toyota com o São Paulo), Arce (outro paraguaio) na lateral e o maior casal 20 dos anos 90 no futebol: Jardel e Paulo Nunes. A meiuca tinha duas promessas nunca cumpridas do futebol brasileiro: Carlos Miguel e Arílson. Sendo que o primeiro ficou conhecido por sua dificuldade em se manter no peso e o segundo por duas grandes passagens pela seleção brasileira. A primeira, quando entrou em um amistoso contra a Argentina e foi expulso minutos depois. E a outra ainda mais sensacional: convocado para a
seleção pré-olímpica e entediado com as preleções de Zagallo, o meia gaúcho não pensou duas
vezes e fugiu da concentração pra disputar uma pelada.

Mas do outro lado havia o Ajax, com Van der Sar, irmãos De Boer, Davids, Kluivert, Overmars. Litmanen, o picareta Finidi e o mascarado Van Gaal como técnico. Os gaudérios até que conseguiram segurar a onda da base da seleção holandesa, até mesmo após Rivarola ser expulso. A derrota só veio nos pênaltis, por 4 a 3. Registre-se que nesse ano o jogo em Tóquio aconteceu à noite em horário local, de manhã no Brasil, numa quarta-feira, o que representou a perda da metade da graça que envolvia o jogo.

1997- Cruzeiro 0 x 2 Borussia Dortmund
Em 1997, pode-se dizer que aconteceu a primeira versão genuína de um 'Projeto Tóquio'. O Cruzeiro assumiu que a prioridade era conquistar pela primeira vez um título mundial, se preparou exclusivamente para o jogo, deixou o Brasileiro de lado (e quase caiu por isso), e mais, chegou a fazer contratações
específicas para levar ao Japão. E como um autêntico Projeto Tóquio brasileiro, o resultado foi um fiasco.
Pra começar o time do Cruzeiro já não era lá grandes coisas. É verdade que tinha Dida e João Carlos, que mais tarde seriam campeões com o Corinthians, mas com Vítor (bicampeão mundial pelo São Paulo e uma espécie de Forrest Gump do futebol nacional daquela década), Elivelton (outro ex-são-paulino de 92), os brucutus Ricardinho e Cleisson, além do enganador peruano Palacios. Só sendo muito cruzeirense pra acreditar que dava pra levar com um time desses. Ciente dessa fragilidade do elenco, os mineiros resolveram contratar, e aí conseguiram piorar o que já era ruim. Quem, em sã consciência contrataria quatro jogadores – a peso de ouro – para um jogo só, quando estes reforços se tratariam de Gonçalves, Alberto, Donizete Pantera e Bebeto? Sério, Gonçalves, zagueirão botafoguense, até chegou a jogar uma
Copa do Mundo, mas isso não dá pra ser considerado se a seleção era a de 1998, o técnico Zagallo, o titular Junior Baiano e seu colega de concentração o Zé Carlos. Alberto foi o precursor de uma especialidade do Atlético-PR: a de criar falsos laterais talentosos (depois veio o Alessandro, hoje Botafogo; e o mais recente fruto é Nei, que traz boas lembranças ao Mazembe). Já Donizete Pantera e Bebeto dispensam comentários.

O Borussia, para ser bem sincero, não me traz recordações de ser um time lá muito brilhante, cujo craque era um suíço (talvez tenha sido esse o raciocínio dos cruzeirenses: se um suíço pode resolver pra eles, por quê um combo botafoguense não faria isso pra nós?), o Chapuisat. Nos 90 minutos no Olímpico de Tóquio o Cruzeiro foi um arremedo de time e os alemães venceram por 2 a 0, decretando o fim do sonho azul.

1998- Vasco 1 x 2 Real Madrid
No ano seguinte, o Projeto Tóquio ganhou ainda mais importância por parte dos brasileiros. Por se tratar do ano em que comemorava seu centenário, um título mundial coroaria um ano perfeito para o Vasco, e de quebra igualaria as conquistas internacionais de seu maior rival. O time que tem o nome do heroico português repetiu a tática de priorizar o Mundial e deixar o Brasileiro de lado, e chegou a fazer uma 'aclimatação' de mais de dez dias no Japão.

Tem que se admitir que o Delegado Lopes, e sua indefectível camisa verde e calça bege, tinha um bom time em mãos. Carlos Germano era um goleiro ‘não fede nem cheira’ (não fechava o gol, mas também não entregava a rapadura); Mauro Galvão, um xerifão; Vágner foi um promissor lateral/ponta direita digno da escola Válber 'cartão vermelho em véspera de carnaval', inclusive nas proporções talento/confusão; Felipe sempre se deu bem no futebol do Rio (e só lá); Luizão era goleador e até Donizete Pantera se destacou naquele ano. A cereja do bolo era Juninho Pernambucano, o maestro da Colina. Em compensação, o elenco tinha o volante espacial Nasa, o zagueiro com nome de música de Roberto Carlos, Odvan, e adivinhem quem na reserva da lateral-direita? Ele mesmo, Vítor, o nosso Forrest Gump.

Do outro lado tinha o Real Madrid, com Roberto Carlos, Hierro, Sávio, o chorãozinho da Gávea, Mijatovic e Raúl. O maior goleador Merengue em Champions League, inclusive, fez o gol do título espanhol. Está na memória de muitos a imagem do camisa 7 madrilenho driblando meio mundo vascaíno e, como humilhação final, deixando o Odvan sentado antes de acabar com a versão Eurico Miranda de Projeto Tóquio.

1999- Palmeiras 0 x 1 Manchester United
Se um ano antes o Projeto Tóquio significava o auge do centenário vascaíno, para o Palmeiras ser campeão do mundo em 99 era fechar com chave de ouro algo iniciado anos antes, a Era Parmalat, onde a leiteria assumiu o Palestra Itália no início dos anos 90.

De novo, Felipão colocava
um time no Japão para tentar ser campeão mundial, e se em 1995 o time do Grêmio não primava pelo talento, dessa vez ele tinha pelo menos um jogador com capacidade de fazer a diferença, Alex cabeção (não vale falar que tinha dois, já que o Zinho fazia companhia a ele no meio). De resto, a aposta era no Felipão way of play mesmo: muito pontapé, correria e bola na área. A defesa era no mínimo de alta periculosidade, com os júniors baianos Roque Junior e o original; davam o resguardo César Sampaio e Galeano, que ninguém sabe ao certo o porquê dele estar ali. Arce e Paulo Nunes tinham a missão de abastecer a grande área, que no dia da Mundial tinha o colombiano Asprilla como titular (alguém tem uma explicação lógica pra se apostar nele?), mas que caso precisasse, tinha na reserva Oséas, o Ozéinha da Bahia, versão mais encorpada e de tranças do Jardel (analisando agora, Felipão montou praticamente uma república baiana no Parque Antarctica. Com Oséas, contabilizei pelo menos quatro jogadores da Boa Terra, tanto que um dos momentos mais notáveis daquele ano foi uma matéria sobre uma pelada entre Palmeiras e Chiclete com Banana, com os palmeirenses, incluindo Felipão, vestindo um abadá com uma flor gigante estampada no peito, possivelmente símbolo do CD lançado pelos baianos na época).

Já o lado europeu era represen
tado pelo Manchester United, com David Beckham (“ele não é tudo isso não”, na opinião de Galvão Bueno, na época), Scholes, Giggs, Roy Keane e Gary Neville. No lance que definiu a partida, Giggs cruzou, Marcão, talvez o grande herói daquele time depois de pegar os pênaltis na Libertadores, caçou borboleta, e Keane botou pra dentro. Vendo a ficha técnica daquele jogo, constata-se que Euller, o filho do vento, entrou no fim do jogo, a importância histórica disso é nula, mas serve para lembrar os palmeirenses que o costume de Felipão em apostar em jogadores não muito talentosos não começou com o Luan.
Portanto, colorados não tem que se envergonhar pelo papelão em Abu Dabi. A diferença é que os colorados só conseguiram ser piores (adaptando o lema riograndense de 'gaúcho melhor em tudo') do que Palmeiras, Cruzeiro Vasco e Grêmio.