14 de dezembro de 2010

O Beatle futeboleiro

A final da FA Cup de 1952 consagrou o Newcastle como campeão. Em uma decisão dramática - decidida a seis minutos do final com um gol de cabeça do chileno Jorge Robledo - os Magpies superavam o Arsenal, conquistando assim o seu 5º título do torneio mais antigo do mundo. A peleja marcou o imaginário do pequeno John Winston Lennon.

Felipe Bigliazzi

Então com 11 anos, John já mostrava aptidão pelas artes e em plena sala de aula do Quarry Bank Grammar School fez um desenho retratando a jogada que decidira a Copa da Inglaterra em favor do Newcastle. Em 1974, John Lennon escolheu aquele singela gravura para fazer parte da capa de seu mais novo álbum, intitulado Walls and Bridges. Era o fim da lenda: Lennon jamais foi fanático, mas era sim um futeboleiro.

São tantas lendas por trás da vida dos demais Beatles que o futebol não poderia ficar de fora. O fato concreto é que George Harrison não dava a mínima ao esporte bretão. O caçula dos Beatles era um amante do automobilismo, tanto que virou amigo pessoal de Emerson Fittipaldi.

O primeiro a dar a cara pra bater foi Paul McCartney. O baixista quebrou o mistério sobre a equipe por qual torcia, quando foi ao estádio de Wembley para presenciar a final da FA Cup de 1968 entre Everton e West Bromwich. Demonstrando ser um grande pé frio, Paul amargou in loco a derrota do conjunto azul de Liverpool - o Everton - por 1 a 0. Segundo pesquisadores
beatlemaníacos, Ringo Starr era fã do Arsenal. Influenciado por seu padrasto - nascido no norte de Londres - o pequeno Richard era constantemente levado a Anfield e ao Goodison Park, quando os Gunners atuavam em Liverpool. Em meio a tanta curiosade, pouco se sabia sobre o interesse de John Lennon pelo futebol, até que chegou 1967.

O empresario dos Beatles, Brian Epstein, teria orientado os reis do iê iê iê a não divulgarem suas predileções clubísticas, a fim de não causar antipatia com as demais torcidas da Inglaterra. Por essas ironias do destino, um mês antes da morte de Epstein - em agosto de 1967, por overdose de tranquilizantes - os Beatles lançavam seu 8º albúm: o magnifico Sgt
. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Na enigmática capa, a banda do Sargento Pimenta posa pomposamente ao lado de personalidades ilustres.

Em meio a figuras como Albert Einstein, Bob Dylan e Marlon Brando, um desconhecido - pelo menos para a maioria dos beatlemaníacos - aparecia com sorriso de Monalisa e topete a la Itamar Franco. O personagem em questão atendia pelo nome de
Albert Stubbins. Não há explicação concreta para a escolha dos homenageados que ficaram eternizados no disco mais famoso dos Besouros. A história mais conhecida é que John Lennon teria sugerido Albert Stubbins por se tratar de um ídolo de seu pai ausente. Stubbins atuou pelo Liverpool FC entre 1946 e 1952, sendo o heroi da conquista dos Reds na temporada 1946/1947, quando o conjunto de Merseyside conquistou o titulo inglês após 24 anos de seca. Porém o lado de Lennon como torcedor do Liverpool viria a ser explicitado apenas no final de 1969.

Em Let it be - último disco lançando pelos Beatles - há outra menção futebolística de Lennon. Na curta e irreverente Dig It, John Lennon cita Matt Busby: "Like a Rolling Stone. Like the FBA and CIA. And the BBC . BB King and Doris Day. Matt Busby...".
O vitorioso treinador do Manchester United - principal rival do Liverpool - era homenageado de forma, no mínimo, irônica. Busby é o personagem transcendental na vida dos Red Devils. Antes de sua chegada, em 1946, o Man U tinha status de clube médio na Inglaterra, já que não conquistavam um titulo de expressão desde 1911. O conjunto vermelho de Manchester sairia da fila sob seu comando com a conquista do Campeonato Inglês de 1952 - o 1º dos cinco titulos nacionais do United sob direção de Busby.

Após sobreviver a tragédia de Munique, quando o avião que voltava de Belgrado - depois da classificação para final da Copa dos Campeões da Europa de 1958 - se chocou contra uma casa desabitada matando oito jogadores do elenco, Busby ficou gravamente ferido e teve que remontar aquela talentosa equipe.

Apenas em 1968 Busby teria seu ano de gloria e revanche contra o trágico destino que o abateu. Comandou magistralmente o Manchester United rumo a conquista da Copa dos Campeões da Europa daquela temporada. Os “Busby Babes” bateram o poderoso Benfica de Eusébio e cia. na final da principal competição europeia. Naquele brilhante esquadrão - que ainda contava com Bobby Charlton e Denis Law - um jovem e irreverente norte-irlandês se trasvestiu de heroi: o habilidoso George Best. Por seu corte de cabelo - semelhante ao da maioria dos rockstars britânicos dos anos 60 - e por seu comportamento arredio, ganhou o apelido de "O quinto Beatle".

No Mundial de 1966, o Brasil mandou seus três jogos da 1ª fase no campo do Everton - Goodison Park - em Liverpool. A envelhecida seleção nacional deu vexame na terra da rainha, deixando a competição prematuramente com derrotas para Hungria e Portugal. Já nos anos 70, quando Pelé foi a Nova York defender o glorioso Cosmos, surgiu a história de que os Beatles teriam sido barrados na concentração brasileira por terras inglesas. Em sua autobigrafia, o rei do futebol afirma que John Lennon, em encontro na Big Apple, teria se queixado do tratamento dos dirigentes brasileiros que negaram o encontro do Fab Fours com os principais astros da então seleção bicampeã mundial. Lorotas à parte, no dia em que se completa 30 anos sem John Lennon, fica a nossa homenagem ao Beatle mais futeboleiro de todos. Viva John!